Muitas pessoas rejeitam o tédio, ou até negam esse sentimento. Ele é comumente visto como um sentimento negativo, como se algum sentimento pudesse ser instrinsecamente bom ou mau. Na verdade, o tédio e a motivação são partes do mesmo processo, duas faces da mesma moeda. Escrever sobre tédio, para mim, está sendo bastante motivante neste momento.
"Eu me dizia, assim, que os homens são consumidos pelo tédio. Naturalmente, temos que refletir um pouco para perceber isto – não é coisa que se veja de imediato. É uma espécie de poeira. Vamos para cá e para lá sem vê-la, a aspiramos, a comemos, a bebemos, e ela é tão fina que nem sequer range entre nossos dentes. Mas basta pararmos por um momento, e ela assenta como um manto sobre nosso rosto e nossas mãos. Temos de estar a sacudir constantemente de nós essa chuva de cinzas. É por isso que as pessoas são tão agitadas."
Outra questão importante: para que serve o tédio? Quando o tédio é profundo e decidimos encará-lo de frente, parece que alguma ação se torna inevitável. Ou seja, o tédio seria o mecanismo através do qual conseguimos uma mudança na rotina. Nesse sentido, ele seria essencial para estimular a variabilidade de novos comportamentos. Por que os portugueses começaram a explorar o Novo Mundo no século XVI? Eles não tinham nenhum estímulo para isso: a viagem era demorada, perigosa, ainda não haviam sido encontrados metais preciosos e havia tribos de índios canibais por aqui. O que os moveu para essa empreitada? Só pode ser o tédio que sentiam em Portugal naquela época!
Brincadeiras à parte, existem diferentes tipos de tédio: situacional e existencial. O primeiro ocorre em situações específicas quando não podemos fazer o que queremos ou quando não queremos fazer o que estamos fazendo. Já o tédio existencial ocorre quando não temos a menor idéia do que queremos na vida, há uma perda geral dos significados, o que gera a chamada angústia existencial. Por que estamos aqui? Qual é o sentido da vida? O que acontece quando morremos? Essas perguntas moram no fundo da alma humana e permeiam nossas vidas de forma silenciosa, na maioria das vezes. A função desse tipo de tédio pode ser justamente o despertar da consciência sobre a existência e da responsabilidade que temos pela vida que levamos. Não estou querendo aqui ignorar os fatores sociais, culturais e históricos, mas nossa vida é marcada por escolhas incessantes a todo momento. Nossas decisões afetam sobremaneira o curso de nossas vidas, tanto quanto os outros fatores mencionados.
Uma questão histórica: será que o tédio está aumentando em nossa sociedade pós-moderna? Isso nunca será respondido cientificamente, pois não há uma maneira objetiva de se medir o tédio de uma população. Mas o uso intensivo da televisão, por exemplo, não seria um ótimo indicador de tédio? Por que alguém passaria as poucas horas livres que possui na frente de um aparelho de TV? Para passar o tempo. Para não perceber o tédio presente em sua vida. E por que algumas pessoas ocupam todo o seu tempo com as mais variadas atividades, de modo a diminuir seu tempo ocioso a quase zero? Será uma forma desesperada de evitar esse contato com seu próprio tédio existencial? Até os ditos populares mostram essa idéia: "mente vazia, oficina do diabo". O que é esse medo tão grande que as pessoas têm do vazio, do não fazer nada? Será que quando estamos mais inativos, somos confrontados de forma mais direta com nossos sentimentos, fantasias, pensamentos? Isso pode assustar os mais desavisados... Fernando Pessoa em seu Livro do Desassossego faz uma interessante análise da relação entre o tédio e o ócio:
"Não é o tédio a doença do aborrecimento de nada ter que fazer, mas a doença maior de se sentir que não vale a pena fazer nada. E, sendo assim, quanto mais há que fazer, mais tédio há que sentir."
Mais adiante, Svendsen analisa a relação entre tédio e a falta de significado. Vivemos num mundo onde tudo chega completamente codificado até nós. Tudo é estudado, tudo é explicado, tudo é controlado. O mundo torna-se entediante quando tudo é transparente. O interesse pela violência divulgada pela imprensa sensacionalista é um bom exemplo de como algo misterioso, sem explicação pode ser tão fascinante. Pode nos levar a tempos antigos onde fadas, gnomos, ogros e deuses habitavam as vidas das pessoas como expressões legítimas do mistério. Hoje esse tipo de mistério faz sucesso no cinema, mas sabemos que tudo é falso e quando sairmos do filme, voltaremos a nossa vida protegida e explicada.
2 comentários:
Nesse momento de tédio profundo, este texto veio "a calhar".
Abraço
Fernando
Gostei e concordo plenamente com o texto. Muito bom.
Para mim, acho que além de fuga de contato com seu próprio "eu", o tédio também está ligado à sensação de rotina.
Quando se sente que todos os dias são iguais, nada muda, nada interessante acontece, ficamos entediados, acionamos o piloto automático, paramos de sentir e de viver e o tédio aumenta ainda mais .......
De vez em quando é bom fazermos coisas diferentes, sair da rotina....
Abraços
Al
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